segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Como Deixar o seu Animal Sozinho em Casa

As nossas rotinas atarefadas exigem que os animais possam ter de ficar algumas horas sozinhos em casa.
No entanto, não lhes chamamos animais de companhia apenas por nos fazerem companhia: eles também necessitam da nossa presença, atenção e afeto.
Antes de adotar um animal, as pessoas não costumam dar muita importância a este assunto. Afinal, tantos cães e gatos ficam em casa sozinhos quando os seus donos vão trabalhar e não morrem por isso.
Mas quando começam a surgir coisas estragadas em casa, objetos partidos ou necessidades espalhadas pelo chão, o caso muda de figura.
Punir o animal só vai agravar a situação, acrescentar mais stress a todo o stress que o animal já tem acumulado de quando fica sozinho:
Eles têm um tipo de memória diferente. Não são bons em raciocínio. Eles não conseguem olhar para trás e perceber que o que eles fizeram há uma hora atrás é a razão do seu dono estar zangado com eles.
— John Bradshaw, diretor do Instituto de Antrozoologia da Universidade de Bristol
O principal problema com as nossas saídas de casa é que animal não sabe se a nossa ausência é temporária. Fechar a porta de casa e sair para o trabalho é uma experiência normal para nós, mas pode ser muito stressante para os animais que ficam para trás.
Este é um assunto que deve merecer toda a nossa atenção e até tem estado em foco nos últimos tempos. Por exemplo, está agendada para 2016 a estreia do filme «The Secret Life of Pets» («A Vida Secreta dos Nossos Bichos» em português), que nos conta de uma forma divertida o que os nossos animais fazem quando os deixamos sozinhos. Veja o trailer, é excelente.
De volta à realidade, vamos de seguida analisar como cães e gatos vêm a ausência dos seus donos — e como pode ajudá-los a ficar sozinhos de uma forma bem mais tranquila

Cães


 
 Os cães são animais extremamente sociáveis e com uma notável ligação ao ser humano, pelo que não se sentem confortáveis quando deixados sozinhos.
A solidão e o stress podem mesmo desencadear uma crise em que os cães ficam “traumatizados como crianças abandonadas”, tal como referiu o investigador John Bradshaw, diretor do Instituto de Antrozoologia da Universidade de Bristol que estuda o comportamento de animais de estimação há 25 anos.
Esse stress e ansiedade pode desencadear uma série de comportamentos que naturalmente não desejamos que eles tenham, tais como ladrar incessantemente (possíveis problemas com vizinhança), necessidades fora do sítio, roer móveis, revirar lixo, lamberem-se incessantemente (provocando feridas), entre outros.
Provavelmente o seu cão nunca vai apreciar a ideia de ficar sozinho, no entanto, com algumas dicas é possível reduzir significativamente o problema.

Dicas para deixar o seu cão tranquilo em casa





  1. Habitue o cão aos poucos: Se o seu cão ainda não está habituado a ficar sozinho, é uma boa ideia começar a habituá-lo aos poucos. Experimente sair de casa por 5 minutos, voltar, sair por mais 15 ou 30 minutos, voltar de novo. Este pequeno treino ajuda o cão a compreender que você sai, mas volta, e com isso reduzir a ansiedade. Experimente também promover alguns períodos de silêncio e distanciamento durante o dia, para o cão se habituar e perceber que não há nenhum mal nisso.
  2. Não deixe o seu cão associar isolamento a punição: Uma vez que o seu cão ficará sozinho durante a sua ausência, ele não deve associar esse isolamento a algo mau ou punitivo. Pelo contrário. Ao associar o isolamento a coisas boas, ou pelo menos a algo natural, ficará mais tranquilo.
  3. Um bom passeio pela manhã: Um bom passeio com algum exercício pela manhã pode ajudar bastante. A energia gasta numa caminhada ou numa corrida já não será gasta em casa durante a sua ausência, pelo que ficará mais calmo. Claro que a quantidade de exercício deve ser ponderada caso a caso: o seu cão ainda é jovem ou nem por isso? Tem algum problema de saúde? Está muito calor? Tudo isto deverá ser tido em conta e em caso de dúvida o seu veterinário pode ajudar.
  4. Desvalorize a despedida e o regresso: Não diga adeus quando sai nem faça (ou deixe fazer) uma grande festa quando regressa. A separação e o reencontro devem ser hábitos normais, não um acontecimento. Se der muita atenção imediatamente antes de sair, o cão pode associar essa atenção a algo mau (vai ficar sozinho). De igual modo, se der muita atenção assim que chega, vai aumentar a ansiedade do cão da próxima vez que sair, ansioso pelo seu regresso e pela atenção redobrada que recebe.
  5. Deixe coisas para o seu cão fazer: É comum ler relatos de donos que chegaram a casa e viram algum objeto destruído, mas na verdade não deixaram nenhum brinquedo à disposição do animal para se poder distrair. Coloque alguns brinquedos pela casa antes de sair (bolas, bonecos, ossos próprios para brincar), para que o cão tenha algo que fazer durante as horas que estiver sozinho. Pode inclusive subir a parada: esconda alguns brinquedos em sítios acessíveis para que o cão os possa descobrir, mas que o obrigue a procurar primeiro, estimulando-o física e mentalmente.
  6. Música, Maestro!: Não precisa de colocar a 9ª sinfonia de Beethoven a tocar pela casa, mas uma simples televisão ligada, com o leve barulho de fundo dos programas, ajuda a combater a solidão. Escolha um canal ou um conjunto de programas calmos, como documentários da natureza ou, lá está, música clássica. Em alternativa, um simples rádio ligado é melhor do que nada.
  7. Um sinal da sua presença, mesmo ausente: A ansiedade de separação do seu cão será menor se tiver acesso a algo seu, com o seu cheiro — por exemplo uma peça de roupa que tenha usado recentemente.
  8. Um companheiro: Dois animais distraem-se melhor do que um animal sozinho. Claro que a decisão de adicionar um novo animal à sua família deve ter em conta muitos fatores para além da solidão, mas não deixa de ser uma ideia a ponderar. Fale com o seu veterinário e questione se será uma boa ideia adicionar um novo cão ao que já tem e o que deve procurar no novo companheiro (em termos de tamanho, género, energia ou temperamento). A última coisa que queremos é acabar com uma situação de incompatibilidade, má para nós e má para os animais. 

Se ainda não tem um cão e pondera adotar um


Um estilo de vida que o leve a estar ausente durante grande parte do dia, devem fazê-lo refletir sobre se um cão é o animal certo para si — ou se quisermos colocar a questão de outra forma, se você é o dono ideal para um cão.
Como referimos em cima, os cães são animais muito sociais e, por sua vontade, ficavam junto dos donos 24/7. Se você pensa que o seu possível futuro cão ficará a maior parte do dia sozinho em casa, reflita bem sobre as vantagens e desvantagens. Para além da companhia e do afeto, os cães têm necessidade de ser passeados e exercitados diariamente.

Um animal de estimação exótico, sem a mesma necessidade de contacto e companhia constantes de um cão, poderá ser uma melhor opção para si e para o seu futuro animal de estimação.

Deixar o animal sozinho em dias festivos


Em festas populares e passagens de ano, que incluem normalmente espetáculos de fogo de artificio, é necessário ter um cuidado especial com os seus animais de estimação — sobretudo quando estes ficam sozinhos em casa.
Os cães, com uma sensibilidade auditiva grande, podem ficar tão assustados com o barulho dos foguetes que entram em pânico. Os gatos são também dotados de uma excelente audição, mas costumam lidar melhor com o barulho: ficam atentos, alertas, podem até esconder-se mas voltam à sua rotina quando o barulho termina.
Para que tudo corra pelo melhor, a primeira coisa que deve fazer é certificar-se que as portas e janelas de casa ficam bem fechadas: um animal em pânico pode tentar fugir de casa, com todos os riscos que isso acarreta (como ficar perdido ou sofrer um acidente). Além disso, portas e janelas bem fechadas abafam um pouco o barulho dos foguetes e não deixam passar os clarões.
Procure deixar o animal num compartimento da casa onde o barulho exterior seja menos audível, deixando lá comida, água e um sítio confortável onde se possa deitar, como uma caminha ou uma caixa de papelão, este último no caso dos gatos.
Deixe uma televisão ligada ou alguma música de fundo que seja familiar ao dia a dia do animal e que o deixe mais confortável.
Certifique-se também que objetos perigosos ficam fora do alcance, tais como álcool, fósforos, produtos químicos e outros. Um animal assustado pode desencadear um grave acidente, para si próprio e para toda a casa.
Se tem mais do que um animal em casa e existe um histórico de intolerância entre eles, é recomendável que os deixe separados. O barulho do fogo de artificio pode ser um catalisador para começarem uma briga e acabarem com ferimentos sérios.
Pode minimizar os riscos de os animais se assustarem com barulhos fortes se os habituar gradualmente a essas situações.
Por exemplo, interagir e brincar com eles enquanto o aspirador está ligado, ou até durante uma trovoada. Se os animais começarem a demonstrar um comportamento positivo ou de indiferença perante esses barulhos, é provável que não deem grande importância a um fogo de artifício no futuro.
Outra dica para minimizar os riscos é exercitar o seu cão ou gato algumas horas antes. Este exercício pode ser na forma de um passeio no caso dos cães ou de brinquedos no caso dos gatos. A atividade é uma excelente forma de controlar o stress e reduzir a tensão.

Deixar o animal sozinho por vários dias


.Caso necessite de se ausentar por vários dias, deve proporcionar outros cuidados e ter outras precauções para que tudo corra bem.
Um gato, regra geral, pode ficar sozinho em casa durante um fim-de-semana (ou o equivalente a dois dias). São animais bastante independentes e sabem como se tratar sozinhos. Aliás, sendo uma ausência relativamente curta, é preferível deixá-lo sozinho do que sujeitá-lo ao stress de uma viagem numa caixa de transporte.
Certifique-se que deixa comida suficiente (uma taça bem composta de ração seca, que não se deteriora), água fresca em quantidade para os dois dias e a caixa de areia limpa.
Deixe o gato com acesso aos seus locais favoritos, sobretudo onde ele costuma dormir, pois essa será a sua principal atividade diária. Como já vimos anteriormente, não fazer alterações à rotina do seu gato é fundamental para que ele se sinta seguro e tranquilo.
Perante uma ausência mais prolongada, aí já serão necessários cuidados de pet-sitting (já lá vamos).
Os mesmos dois dias, para um cão, são um assunto diferente. Os cães necessitam de passear e podem adquirir problemas de saúde se tentarem reter a urina e as fezes durante muito tempo, à espera que o dono chegue para finalmente ir à rua.
Assim, mesmo que a ausência se limite a um fim-de-semana, é necessário ter alguém que possa ir a sua casa, tratar da alimentação, higiene básica e passear o seu cão, mantendo a sua rotina natural.

Pet-sitting

Em termos simples, um pet-sitter é como um baby-sitter, mas para animais de estimação.
São profissionais que, na sua ausência, procuram manter a rotina diária do animal e prestar-lhe os cuidados que são necessários, como a alimentação, mudança da água, higiene e passeios. Também administram medicação que o animal esteja a tomar e levam-no ao veterinário em caso de emergência.
Como o animal se mantém em casa, no seu ambiente normal, a experiência é menos stressante para o peludinho.
Dica: O pet-sitter deve ser previamente apresentado ao seu animal, caso contrário será visto como um absoluto estranho a entrar pela casa dentro na sua ausência. Nessa visita prévia, o pet-sitter ficará também a conhecer melhor os hábitos e características do animal, para poder cuidar dele o melhor possível.
Naturalmente o pet-sitting é um serviço pago, pelo que deverá ter sempre em conta a vertente financeira caso opte por esta solução.
Em alternativa, caso tenha familiares, amigos ou vizinhos de confiança que lhe possam dar uma ajuda com os seus animais na sua ausência, poderá ser uma solução mais económica. Certifique-se no entanto que são pessoas que conhecem bem os animais e sabem o que fazer perante uma emergência (uma das vantagens de ter um profissional à disposição).
Outra solução possível, mas também naturalmente paga, são os hotéis para animais. Como este artigo se foca nos animais que ficam em casa, não vamos aprofundar a questão da estadia em hotéis, no entanto, convém estar a par da existência destes serviços para planos futuros (como as próximas férias).

“Eu volto!” — conclusão

Os animais não percebem as nossas palavras quando lhes tentamos explicar quevamos voltar. Mas é possível, com alguns métodos e dicas, reduzir a ansiedade e o stress que eles sentem quando ficam sozinhos em casa.
Recapitulando:
  • Os cães tem uma ligação muito forte ao ser-humano e podem ficar “traumatizados como crianças abandonadas” quando deixados sozinhos em casa;
  • chave para os deixar mais tranquilos é cansá-los e exercitá-los com um bom passeio pela manhã, de forma a gastarem toda a energia e ficarem mais relaxados em casa. Um ambiente estimulante também ajuda a passar o tempo;
  • Os gatos são menos extrovertidos, mas não necessariamente menos apegados e podem sofrer de ansiedade de separação da mesma forma que os cães;
  • Manter as rotinas em casa e criar um ambiente estimulante com brinquedos são duas boas ajudas para que o felino passe melhor durante a sua ausência;
  • Na hora de decidir juntar um novo animal para fazer companhia ao seu, pondere bem e peça conselhos ao seu veterinário. Um cão poderá apreciar melhor a companhia de outro cão do que um gato apreciar a companhia de outro gato;
  • Tome especiais precauções ao deixar o seu animal sozinho em casa em dias festivos, pois o barulho de foguetes pode ser assustador. Acessos à rua devem ficar bem fechados e objetos perigosos fora do alcance;
  • Se a sua ausência é superior a um dia, poderá necessitar de contratar serviços de pet-sitting, ou recorrer a familiares, amigos ou vizinhos de confiança que possam ir a sua casa tomar conta dos seus animais.
Caso o seu animal continue a demonstrar sinais de ansiedade, recomendamos que consulte o seu veterinário. Este saberá avaliar a situação e, caso seja necessário, encaminhar para uma consulta de comportamento — leia aqui uma entrevista com um veterinário especialista em comportamento animal, para ter uma melhor ideia sobre o que se trata.
Dedique tempo de qualidade ao seu animal. É tão fácil fazer um animal feliz, um simples mimo não custa nada a ninguém e pode significar tanto para os nossos peludinhos.
Mesmo que esteja algumas horas diárias fora de casa, não há razões para não criar um vínculo forte com o seu animal. Este retribuirá da forma mais genuína do mundo.

Escrito por 



Entrevista a Dr. Gonçalo da Graça Pereira, Especialista em Comportamento Animal

Entrevista realizada por 
Há muita falta de formação do que é um gato. As pessoas não sabem o que é um gato, os donos não sabem, os veterinários não sabem.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
Após ter tido a oportunidade de assistir à comunicação do Dr. Gonçalo da Graça Pereira com o tema “Micção inadequada: É comportamental?” no Encontro de Formação da Ordem dos Médicos Veterinários e ter considerado um tema tão actual e interessante para todos os amantes de gatos, tive a oportunidade de o entrevistar sobre a área em que trabalha, o comportamento e bem-estar animal.
O Dr. Gonçalo da Graça Pereira é médico veterinário, mestre em etologia clínica e bem-estar animal e é professor auxiliar convidado na Faculdade de Medicina Veterinária, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Recebe consultas de referência em clínica comportamental.
Mundo dos Animais: Boa tarde e antes de mais, muito obrigada em nome do Mundo dos Animais pela sua disponibilidade em nos conceder esta entrevista. Porque se tornou especialista em Comportamento e Bem-Estar Animal?
Dr. Gonçalo da Graça Pereira: Na realidade o termo especialista ainda não existe no nosso país. Eu fiz o mestrado em comportamento clínico e bem-estar animal, na Faculdade de Veterinária da Universidade Complutense de Madrid. Quando falamos em etologia clínica é sem dúvida a parte clínica do comportamento, tudo o que seja doenças de comportamento. Se houvesse alguma comparação com a medicina humana seria a área da psiquiatria. O bem-estar animal e o comportamento andam completamente de mão dada. É impossível nós conseguirmos falar de comportamento sem falar de bem-estar, porque um dos modos que nós temos para analisar o bem-estar é o comportamento.
Mas a sua pergunta era porquê. Eu entrei em veterinária pelo meu gosto e pelas minhas preocupações com os animais. O meu pai era treinador de cães da GNR, pelo que sempre convivi com animais. Nessa altura, principalmente com cães, mas mais tarde também com gatos, por isso a minha paixão por animais de companhia já vem desde tenra idade. Juntamente com isso e porque tenho origens no campo, o meu trabalho e o meu conhecimento de infância com animais de produção também era grande e acabei por conviver sempre muito com todo o tipo de animais. Quando terminei o curso senti que tinha várias lacunas na minha formação sobretudo numa área à qual já me dedicava desde o meu primeiro ano de faculdade, que era a área do bem-estar animal. Achei que havia muitas falhas na protecção animal e que a classe veterinária, pelo menos em Portugal, não estava devidamente formada, informada e a trabalhar adequadamente numa área em que eu considero que os veterinários têm de fazer mais e melhor.
E comecei à procura de locais onde poderia fazer formação para melhorar e aprofundar os conhecimentos que tinha adquirido ao longo dos 5 anos de curso. Nessa altura era consultor da RSPCA (Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals) uma das maiores associações de protecção animal e fazia consultoria para eles no país. Achei que fazia todo o sentido fazer formação, comecei à procura na Europa e encontrei um mestrado em part-time, aos fins-de-semana, em Madrid, na Faculdade de Veterinária da Universidade Complutense. Foi um ano e meio a ir todos os fins-de-semana para Madrid, foi quase trabalhar durante a semana para pagar o mestrado aos fins-de-semana. Mas achei que era o que queria, porque assim posso fazer mais pela problemática animal, pelo bem-estar dos animais no nosso país, posso ajudar na formação de veterinários, na formação de não veterinários, do público em geral, de crianças… É muito útil esta formação.
Há quanto tempo é que se dedica a esta área?
Esta tem sido a minha aposta desde 2002. O grande trabalho que tenho desenvolvido em comportamento tem sido a partir do mestrado. No Bem-Estar comecei a trabalhar em 1995 com várias associações de protecção animal.
As pessoas não entenderam os comportamentos do cão como agressividade e só quando aparece uma dentada é que o dono fica preocupado e nos vem procurar.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
Os problemas de comportamento são mais frequentes agora ou são mais falados por serem mais estudados?
Em relação aos cães a população começa a estar mais atenta a alguns pormenores, sobretudo a partir do momento em que saiu a legislação dos potencialmente perigosos. Não deixa no entanto de acontecer que muitos dos casos de agressividade que recebo já aconteçam há 8 / 10 anos. As pessoas não entenderam os comportamentos do cão como agressividade e só quando aparece uma dentada é que o dono fica preocupado e nos vem procurar. Portanto a origem dos problemas nos cães está sobretudo nos donos. As pessoas não reconhecem os comportamentos. No entanto, como já têm mais conhecimentos, as pessoas, em geral, começam a estar mais atentas. E começam a procurar ajuda. Infelizmente em alguns casos vão procurar ajuda errada.
Como por exemplo?
Como por exemplo maus treinadores, más escolas, maus métodos de treino. E que vão piorar muito mais a patologia do cão.
Quanto ao gato, este tem-se tornado o animal do século. Sem dúvida que a população dos gatos tem crescido exponencialmente. Aqui há uns anos atrás, quando comecei a fazer clínica geral acontecia termos uma pequena percentagem de gatos a virem à consulta, hoje em dia é quase 50% cães, 50% gatos. E em algumas clínicas de cidade até aparecem mais gatos do que cães.
Portanto a população de gatos cresceu e com esse crescimento, aumentaram também os problemas de comportamento. Uma vez que os gatos são animais extremamente subtis nas suas manifestações de sofrimento e nas suas alterações de comportamento, muitas vezes andam anos a viver sujeitos a condições que lhes são adversas, sem que os donos se apercebam que existe um problema. Até que um dia este despoleta só aí é que nos procuram. Quando a origem do problema do gato já existe há alguns anos.
Por isso, acho que o aumento crescente dos problemas nos gatos tem a ver com o aumento exponencial dos gatos como animais de companhia.
99% das pessoas que tem um animal de companhia sabe que o animal sente e sofre. Agora conhecer o que é o comportamento normal e qual é a resposta ao stress, os donos não sabem.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
E o stress em que vivemos pode ser uma causa para existirem mais problemas comportamentais?
Eu diria que nos cães pode. Não o stress dos donos, mas a sua vida. Porque o cão é um animal que depende dos humanos até para passear. Se nós trabalhamos 8 horas, no mínimo, fora de casa e fazemos muitas vezes passeios a despachar, o cão passou a maior parte do seu dia fechado em casa. Portanto é normal que o cão comece a destruir, que comece a ladrar… É uma frustração.
No caso dos gatos, que são muito sensíveis a grandes alterações, se vivermos em stress é normal que libertemos odores diferentes e que isso influencie o seu comportamento. Mas o grande stress das nossas vidas influencia os gatos principalmente se envolver alterações no seu ambiente.
Os problemas são mesmo reais ou as pessoas não compreendem o comportamento normal dos animais?
Eu preferia que me procurassem quando tivessem dúvidas. Quando me procuram já não têm dúvidas, é já com problemas evidentes e depois de terem tentado várias abordagens. Tentam o que o vizinho experimentou, porque ouviu alguém, porque leu num livro e tudo isso quando chegam já é numa situação de cronicidade, quando fazemos uma avaliação de risco já há um grande risco humano, e então muitas vezes e infelizmente, na realidade actual do país, alguns casos acabam em eutanásia.
Principalmente a nível de cães?
E também em gatos. Nos gatos muitas vezes não terminará em eutanásia mas terminará na rua.
E em relação aos gatos há muita falta de formação do que é um gato. As pessoas não sabem o que é um gato, os donos não sabem, os veterinários não sabem, há aqui grandes lacunas na formação do que é um gato. E por isso mesmo as pessoas acabam por me procurar quando o problema já é demasiado evidente.
E quais são os motivos pelos quais é mais procurado?
No casos dos cães, os dois principais motivos de procura são sem dúvida a agressividade, seguida da ansiedade por separação, os tais cães que ficam a ladrar, uivar, destruir as portas, a fazer necessidades fora do sítio.
No caso dos gatos o principal motivo também é a agressividade, quer agressividade entre eles, gatos, quer agressividade re-dirigida ao dono, por motivos que estão no ambiente e que temos de saber quais são e o segundo motivo é a eliminação inadequada.
E porquê? Porque sobretudo são, tanto nos cães como nos gatos, os problemas de comportamento que vão dar problemas aos donos.
Se forem problemas que não criem problemas ao dono, os donos podem ter um cão que se auto-mutila, um cão a rosnar, um gato a esconder-se a cada barulho…
Nós sabemos das vantagens de um animal de companhia. Tanto as crianças como os idosos beneficiam se tiverem um.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
É possível informar as pessoas acerca do normal comportamento animal, quando muitas não os aceitam como seres que sentem e que sofrem?
Eu diria que 99% das pessoas que tem um animal de companhia sabe que o animal sente e sofre. Agora conhecer o que é o comportamento normal e qual é a resposta ao stress, os donos não sabem. É possível dar formação aos donos? Sim, é possível. Através de quê? De revistas, entrevistas, televisão. Porque os media têm sido muito pouco usados, sobretudo na prevenção. A única coisa para que os media ultimamente têm servido, é para alertar para o problema da agressividade.
Mas nós sabemos das vantagens de um animal de companhia. Tanto as crianças como os idosos beneficiam se tiverem um. Assim, temos de ver o que é que está a ocorrer de errado na sociedade para prevenirmos o problema. E sem dúvida que a falta de formação dos donos e o modo como a legislação está construída em muitos campos, vai-nos dar muitos problemas no reconhecimento das vantagens que eles trazem.
Há muitas lacunas aqui a preencher para conseguirmos fazer um bom trabalho. Mas é possível fazer formação. Nós, veterinários, somos um elo na formação dos donos e na prevenção de problemas de comportamento. Quando o cachorro ou o gatinho vem às primeiras consultas das vacinas, é a altura ideal para fazer prevenção de problemas de comportamento.
Mas não interessa falar de formação aos donos se os próprios veterinários não estiverem sensibilizados para isso.
A criança aprende facilmente que um cão a dar à cauda está contente e quando transporta isto para um gato, pensa que ele o faz pelo mesmo motivo e portanto há erros de interpretação.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
E existem poucos veterinários que se sintam à vontade para falar desse assunto?
Nos currículos universitários temos uma cadeira de comportamento animal. Cada um de nós como veterinário já tem algumas bases que poderia e deveria transmitir aos donos. Só que a área da etologia clínica ou da clínica comportamental não é vista pela maioria da classe veterinária como uma área médica. Então o que acontece é que os veterinários concentram-se em áreas puramente médicas, esquecendo-se da influência que a área psíquica pode ter inclusivamente na área médica. E portanto a prevenção muitas vezes não é feita e o papel dos veterinários deixa de estar a ser eficaz.
Mas sim, é possível informar as pessoas e isso deveria ser feito.
Daí a formação dos donos e do público em geral ser extremamente importante. Os media têm aqui uma função muito importante que até hoje tem servido apenas para alarmar e fazer não um papel educativo, mas um papel exacerbado dos factos. Porque ataques de cães sempre houve e todos os animais inclusivamente o Homem, são imprevisíveis. Ninguém pode pôr a mão no fogo que só determinadas raças é que vão atacar. E a maioria dos estudos indicam que os ataques caninos ocorrem dentro da casa das pessoas, com os cães da casa e que a maioria não pertence às raças potencialmente perigosas.
Portanto a aposta está na formação das pessoas, é uma aposta importante.
Uma área completamente diferente é a inclusão do comportamento e do bem-estar nos currículos escolares das crianças. Temos muitos problemas, porque a criança aprende facilmente que um cão a dar à cauda está contente e quando transporta isto para um gato, pensa que ele o faz pelo mesmo motivo e portanto há erros de interpretação.
Outro exemplo: Uma criança aproxima-se de um cão para lhe dar um abraço, mas o abraço é visto pelo cão como uma afronta directa. Então o que é que o cão que está com medo da criança faz? Rosna e levanta a beiça. E a criança pensa que ele se está a rir. Portanto irá avançar com mais força e mais segura para o cão, porque ele lhe está a rir. E quando o cão já não tem alternativa, morde a criança. Ele morde porque está cheio de medo da criança não teve outra escapatória. E vai morder onde? Na cara. Porque é o que está ao nível da boca dele. E aqui temos grandes problemas. Porque cães, gatos e pessoas, todos falamos linguagens diferentes.
Os donos consideram que podem fechar quatro gatos num apartamento e esperar que eles se entendam. Mas se não lhes proporcionarmos as condições necessárias, eles não se vão entender.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
E em relação aos gatos o problema que se vê com maior frequência é…
Agressividade. Sobretudo agressividade entre os gatos. Porque os donos consideram que podem fechar quatro gatos num apartamento e esperar que eles se entendam. Mas se não lhes proporcionarmos as condições necessárias, eles não se vão entender. Portanto a agressividade entre os gatos é um problema muito frequente, assim como a agressividade re-dirigida, em que eles não se atacam um ao outro mas, por outros estímulos, atacam o dono.
Em segundo lugar está, sem dúvida, a eliminação inadequada. Muitas vezes por falta de condições em relação às casas de banho, ao local onde estas se encontram, por muitas razões presentes no ambiente, ou por marcação secundária ao stress. Quando vários gatos vivem na mesma casa, o primeiro sinal de stress é a marcação do território com urina.
Os caixotes [de areia] devem ser em número suficiente, ou seja, o número de gatos mais um. Se tiver dois gatos tenho de ter três caixotes.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
E qual é a principal causa pela qual os gatos apresentam eliminação inadequada?
Existem dois tipos de eliminação inadequada. Uma é a defecação e micção fora da casa de banho em que eles não usam a caixa de areia; e outra situação é a marcação de território, em que eles também usam a casa de banho.
No primeiro caso, a principal causa tem a ver com aversão. Eles podem não gostar da casa de banho ou do material de que é feito o areão. O que é que pode estar errado na casa de banho: o local onde ela está, o tipo de casa de banho que é, o número insuficiente de casas de banho para o número de gatos e a proximidade da comida. Em relação ao areão: ser um areão pontiagudo, que lhes cause aversão e que eles não consigam manipular, ser um areão com odor (eles não gostam de areão com odor) ou existir uma incorrecta higienização.
Então o caixote deve estar longe da comida?
Vamos começar por ordem. Os caixotes devem ser em número suficiente, ou seja, o número de gatos mais um. Se tiver dois gatos tenho de ter três caixotes. Os caixotes não podem estar na mesma divisão, lado a lado, porque imaginemos que há um gato que se mete à porta da divisão onde estão as três casas de banho. O segundo quer usá-la e não consegue porque quer evitar um confronto.
As casas de banho devem estar espalhadas, cada uma numa divisão diferente da casa, de modo a que o gato as possa utilizar sempre que quer; deve ser uma casa de banho aberta, de modo a que o gato saiba o que é que está à volta; não deve estar próxima da comida, nem da bebida, nem da cama. É um território diferente.
Em termos do areão, este não deve ter odor, deve ser o mais simples possível. Quando não sabemos qual é o areão que ele mais gosta, devemos pôr à disposição vários tipos, ver qual é que ele utiliza e a partir daí usar o que ele escolheu.
Falta ainda falar da marcação. A marcação ocorre sobretudo secundária a situações de stress ou por comportamento reprodutivo. É preciso que os donos compreendam que a marcação é um comportamento normal para o gato e que ele vai fazer marcação, seja com urina, com fezes, com as glândulas sebáceas da face, ou com as glândulas sebáceas que tem nas almofadinhas plantares, porque os gatos têm de marcar o seu território. O que o dono precisa de compreender é porque é que de repente um gato que não fazia marcação começou a fazê-la. Pode ser porque atingiu a puberdade e então se for castrado desaparece a incidência da marcação, mas pode ser por stress e então convém compreendermos o que está a causar stress ao gato. E nesse caso, é extremamente importante distinguir eliminação inadequada por aversão e eliminação inadequada por marcação, porque os tratamentos são diferentes.
Então no caso de um animal que apresente uma eliminação inadequada, o que é que o Dr. aconselha?
Ir ao veterinário assistente. Nós começamos descartar problemas, por fazer uma urianálise e ver se há alguma infecção urinária. Caso os rins estejam a funcionar bem, o fígado também e não haja qualquer incidência de infecção, então o problema será de comportamento. Temos então de detectar a origem do problema, ver se podemos tratá-la, quer seja por aversão, quer seja por marcação.
Mas temos de ter em atenção que se tivermos uma casa com vários gatos, se tirarmos um sozinho, quando ele voltar a casa vem com odores diferentes e vai ser mal recebido pelos outros. E isso pode ser a origem de vários problemas de comportamento a seguir, além da eliminação inadequada. Portanto, idealmente, quando sai um gato, saem todos.
Nesse caso, se há um que está a eliminar inadequadamente, saem todos, só o que vem à consulta para fazer diagnósticos diferenciais é que é visto, mas saíram todos de casa e voltaram a entrar todos. Assim voltam todos com o mesmo odor, andam um dia ou dois a recuperar da tensão, porque para um gato a vinda ao veterinário é a pior coisa que lhe podemos fazer, é um stress muito grande, desde que a transportadora entra em casa, à viagem, ao tempo de espera, com cães, com dezenas de odores, até à manipulação feita na clínica veterinária.
Mas sim, a primeira coisa será ir ao veterinário, para se descarta o que se passa e a seguir faz-se um protocolo de tratamento mediante o que for diagnosticado.
Se tivermos uma casa com vários gatos, se tirarmos um sozinho [para levar ao veterinário], quando ele voltar a casa vem com odores diferentes e vai ser mal recebido pelos outros. Portanto, idealmente, quando sai um gato, saem todos.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
E que tipos de tratamento existem, para esse problema?
Em alguns casos poderá ser necessário recorrer a psicofármacos ou ansiolíticos. Muitas vezes os donos esperam que o fármaco cure o problema, mas este será apenas uma ajuda. O animal não tem uma infecção para a qual toma um antibiótico e fica curado. O fármaco não faz milagres pelos problemas de comportamento.
Mas sem dúvida que os mais importantes são os que falei anteriormente, a nível da casa de banho e do areão.
Quando o dono se dirige a uma consulta de comportamento e bem-estar animal, é frequente que já tenha tentado todas as abordagens possíveis?
Por norma, eu recebo referências. O caso já começou a ser visto por outro colega, que considerou que o caso precisava de ser visto pelo “especialista” e então referencia-mo a mim. Nessa altura acompanho o caso, falo de volta com o colega explicando o que foi feito, se há mais alguns exames que proponho fazer, porque também me vêem parar às mãos alguns casos supostamente de comportamento e que depois são de outros campos, tais como ortopedia por causa de problemas de artroses, displasia da anca, otites, infecções urinárias, dezenas de doenças que temos de descartar antes de chegar à clínica de comportamento.
Mas agora alguns donos começam a falar de mim a outros donos que vêm directamente ter comigo. Não é o género que prefiro, porque é bastante mais eficaz se o animal vier com determinadas análises feitas, para descartar problemas e poder dizer que o caso realmente não tem causas físicas, é um problema comportamental.
Ou seja, o dono já procurou um veterinário porque tem um problema. Mas mesmo antes disso já tentou “remédios caseiros”. Já tentou aquilo que ouviu alguém dizer que resolve ou foi procurar um mau treinador que lhe disse como é que devia fazer, que devia bater com mais força, usar coleira de choques, reforço com tareia… E por norma já me chegam às mãos casos mais graves.
Os casos que lhe são dirigidos já são todos muito graves?
Sim, então os casos de agressividade canina são mesmo muito graves, é muito mais fácil chegar a um treinador que a um veterinário. Mesmo alguns veterinários que não trabalham na área do comportamento acabam por indicar um treinador antes de o animal ser visto por alguém que trabalha em clínica comportamental. E não há muitos veterinários a trabalhar nesta área, somos 4 ou 5 no país todo. Há casos em que um colega numa aldeia no Alentejo pode ter dificuldade em enviar e referenciar um caso para mim ou para um colega no Porto… Às vezes é difícil, por isso tentam-se muitas outras coisas antes.
Um porquinho-da-índia pode ter um espaço de 5 quilómetros, mas não ter nada para fazer nesse espaço. Às vezes há pequeninos truques que ajudam a melhorar muito a vida destes animais.
– Dr. Gonçalo da Graça Pereira
Os problemas de comportamento que trata são apenas de gatos e cães?
São a principal causa de procura. Mas aparecem outro tipo de animais. Eu não trabalho especificamente, por exemplo, com aves. Tenho outro colega que se dedica a comportamento de aves.
As aves sofrem imenso. Como nós sabemos o comportamento natural das aves é voar. Imagine o que é um psitacídeo, um papagaio, por exemplo, que tem uma capacidade cognitiva e uma inteligência tão desenvolvida viver uma vida palerma fechado dentro de uma gaiola. Portanto é normal que se desenvolvam dezenas de problemas.
É óbvio que se tiver uma urgência de alguma ave com problemas de comportamento, eu dou uma ajuda, porque tenho alguns conhecimentos básicos, mas não me sinto à vontade para cuidar sozinho do caso. Por isso, quando acontece falo com outros colegas, para lhes referenciar. Seria enganar o dono se eu achasse que não tinha capacidade mas continuasse com o caso.
Depois temos a área dos novos animais de companhia, coelhos, porquinhos-da-índia, ratos, ratazanas, hamsters. Animais que também vivem normalmente fechados em gaiola e que também apresentam muitos problemas de comportamento.
E esses problemas de comportamento necessitam, por vezes, de enriquecimento ambiental, que os donos lhes dêem oportunidade para exibir comportamentos que sejam ou não naturais no ambiente selvagem, mas que tenham coisas para fazer.
Ter mais espaço…
O espaço só, não é importante, porque um porquinho-da-índia pode ter um espaço de 5 quilómetros, mas não ter nada para fazer nesse espaço. Às vezes há pequeninos truques que ajudam a melhorar muito a vida destes animais.
Não recebo muitas consultas de espécies exóticas, porque também há colegas a trabalhar em clínica de animais exóticos com formação de comportamento e dão algumas achegas nessa área. Trabalho sim com esses colegas para lhes dar alguma ajuda, caso seja necessário.
Então no caso de um animal exótico, o Dr. prefere falar com os outros veterinários para ajudar no caso?
Por norma, quando os colegas de clínica de animais exóticos vêem que é um problema de comportamento comunicam comigo e tentamos aferir juntos.
Quanto tempo dura uma consulta de comportamento?
Para resolver um problema de comportamento, a consulta dura cerca de uma hora e meia, para perceber como está organizado o ambiente, porque pode existir uma panóplia de coisas a acontecer ao mesmo tempo. É necessário analisar cada caso individualmente para apresentar uma terapêutica adequada.
Bem, já não tenho mais perguntas, muito obrigada em meu nome e de toda a equipa do Mundo dos Animais por esta entrevista.
De nada! Sempre que precisarem disponham.
Esperamos que com esta entrevista consigamos esclarecer mais gente, sobre o comportamento e bem-estar animal.
Assim seja, pois é esse o vosso desejo e o meu também!

Esta entrevista foi publicada na Edição nº18 da Revista Mundo dos Animais, em Dezembro de 2010.

Antes de Decidir Adotar um Animal

Portugal está lotado de animais errantes… animais esses que nascem nas ruas ou que são abandonados pelos humanos a quem sempre foram leais, animais maltratados e frequentemente humilhados… animais que durante demasiado tempo não passaram de um objecto aos olhos dos humanos!
É para que estas situações acabem que nós, verdadeiros amigos dos animais, lutamos diariamente para que tenham uma família que os mereça e que saiba retribuir o amor e a lealdade que um cão tem para o seu dono… e grande parte dessa luta destina-se à consciencialização quer para o ato do abandono… quer para o ato da adoção!
A adoção de um cão, tal como a adoção de qualquer outro animal (racional ou não) tem que ser um acto devidamente ponderado e discutido no seio de uma família saudável.
Chega de adoções imponderadas e impulsivas… chega de adotar porque nos apaixonamos por um animal… chega de adotar porque o filho pediu ou para que a avó não fique sozinha… chega de adotar porque está na moda ter um cãozinho desta ou daquela raça.
Adoções imponderadas e impulsivas têm normalmente um único fim: os canis a abarrotar de animais à espera da morte, as estradas cheias de animais a definhar nas bermas, as ruas infestadas por animais carentes, subnutridos e maltratados.

A adoção como um passo responsável

Adotar um animal significa assumir total responsabilidade por um ser vivo que depende de nós para todas as suas necessidades, mesmo as mais básicas tais como alimentação e higiene! Significa ter tempo e condições para proporcionar um crescimento e uma vida saudável, com amor e carinho… significa aceitar mais um membro na família!
Assim, antes de adotar um animal devemo-nos perguntar se:

1. Temos espaço?

Um animal precisa de espaços adequados ao seu porte e às suas características… Por muita boa vontade que tenhamos não podemos, nem devemos, obrigar um animal de grande porte e energético a restringir-se a um espaço exíguo como um apartamento… assim a melhor opção para quem vive em apartamento são animais de pequeno ou médio porte.

2. Temos tempo?

Um animal requer espaço… mas mesmo nos quintais e nos jardins continuam a precisar de tempo de qualidade com os donos! Numa adoção responsável, o adotante tem que saber que tem possibilidades horárias para despender de algum tempo diário dedicado ao seu animal mimando-o e ensinando-o o que pode ou não fazer!

3. Temos condições financeiras?

Os animais, tal como nós, têm que ter sempre a sua alimentação, higiene e cuidados de saúde assegurados! E proporcionar tudo isto aos nossos animais implica gastar algum dinheiro… Um cão pode adoecer e precisar de cuidados clínicos, tratamentos e cirurgias; pode precisar de medicamentos e/ou alimentação específica derivado a problemas de saúde… Temos disponibilidade financeira para lhes assegurar todos estes cuidados?

4. Temos realmente vontade de adotar?

Queremos realmente um amigo para o resto da vida dele ou este desejo não passa de um capricho temporário? O nosso interesse pelo animal pode desaparecer mas não nos podemos nunca esquecer que ele é um ser vivo e não mais um dos nossos brinquedos que podemos arrumar numa prateleira quando estivermos fartos dele… Estaremos realmente dispostos a suportar todas as mudanças que implica a entrada de um animal na nossa vida?
Novos horários e novas responsabilidades… novas experiências (nem sempre agradáveis) como o ensino de um animal pequeno que terá que aprender onde pode e não pode fazer as suas necessidades fisiológicas, o que pode ou não roer e com que objectos pode ou não brincar… o cão irá ganir de noite e fazer xixi no chão da casa até se habituar a um novo local… estamos mesmo preparados para todas estas mudanças?
Se após reflectir e ponderar muito bem cada um destes tópicos chegou à conclusão que de facto quer (e pode) adotar um animal, então os meus mais sinceros parabéns!
A partir do momento em que decidir colocar um animal dentro de sua casa irá ter um novo membro na sua família: um membro que irá defender a família mesmo que para isso ponha em risco a sua própria vida, que quererá partilhar alegrias e tristezas, momentos bons e menos bons… um amigo para todas as ocasiões que só pede em troca água, comida, uma caminha e muito, muito carinho!

Agora falta o mais fácil… encontrar o menino ideal para si!

Com tantos animais em canis e associações espalhados pelo país, não há melhor opção que salvar uma vida e adotar um deles!
Lembre-se que encontra animais de raça ou “rafeirinhos” únicos nestas instituições, animais saudáveis e de uma beleza incrível que saberão retribuir melhor que ninguém a oportunidade que lhes dão de serem felizes…
Este artigo foi publicado na Revista nº0 do Mundo dos Animais, em Fevereiro de 2007, com o título “Antes de Decidir Adoptar”.

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